A insustentável pequenez do ser

Marcelo Bolzan Lana
2 min readNov 9, 2023

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Imagem: Halloween PX

Era um rato maior que o cão de Jota. Bem trajado com seus pelos espessos negros e um rabo comprido, pardo. As orelhas bem desenhadas e eretas. Tinha muita desenvoltura ao caminhar lá no alto do muro, se equilibrando com destreza. Iluminado por uma lua de luz estrondosa, feito um sol noturno, parecia uma aberração saída dos infernos.

Jota observava o rato. Sentia inveja de seu jeito habilidoso, de seu equilíbrio elegante. A exuberância demoníaca do rato não apavorava Jota. Nada de sentimentos como nojo ou susto. Só mesmo a inveja pela figura imponente do bicho, que o tornava especial entre sua espécie, talvez o mais belo e forte. Ratos são astutos, práticos. E causam terror por onde passam. Jota invejava isso também.

Aquele rato, escandalosamente maior que o cão de Jota (um pinscher com feições de roedor), seria capaz de aniquilar o flautista de Hamelim. Havia em sua imagem um ar de força impenetrável. Até que… pá! Um tiro vindo do outro lado do muro acerta a cabeçorra de longos bigodes do bicho.

Em queda livre, o rato grita. Cai no chão com seu resto de vida, emitindo um chiado fino e histérico, como que para fazer drama durante a própria morte. Seu rabo pardo e grosso se contorce feito cobra decepada sob o efeito da peçonha. Jota sente ira e tristeza. Contém a raiva para não chamar o vizinho de assassino, mas não esconde o riso no canto da boca enquanto observa o demônio de rabo longo dar o último suspiro.

Jota estava com o espírito elevado. Aquele tiro silenciou sua inveja por um rato. Por um rato asqueroso e de aspecto satânico. Ele então foi dormir feliz, sentindo-se grande e poderoso ao pousar sua cabeça no travesseiro de puro algodão, tendo aos pés o seu pinscher chamado Ulisses.

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Marcelo Bolzan Lana

“Distraídos venceremos”. Jornalista, mineiro e pai da Alice.